Partir (Tordesilhas, 2013) é a terceira obra da escritora e artista Paula Parisot, tendo publicado anteriormente A dama da solidão (Companhia das Letras, 2007) e Gonzos e parafusos (Leya, 2010). Partir marca a aproximação definitiva da autora com o escritor de quem foi discípula, amiga e leitora assídua, Rubem Fonseca.
Narrada em primeira pessoa por um emissor desconhecido, sem nome, apenas sendo indicado em uma pequena passagem como o “santo casamenteiro”, a obra irá relatar uma narrativa de viagem planejada para cruzar o sul do Brasil, seguindo pelos países da América do Sul, Central, Norte e finalmente chegar ao destino almejado, o Alasca. A viagem, no entanto, se revela também interna, através de uma descoberta de si.
Assim como nos livros precedentes, a autora valeu-se da divulgação de Partir para realizar performances no Rio de Janeiro, São Paulo e Guadalajara (México), marca essa distintiva de sua produção artística, mesclando formas de artes e gêneros, seja nas apresentações ao vivo ou nos textos escritos. Partir ainda se distingue dos seus outros dois livros por apresentar desenhos e ilustrações também feitos por ela.
Tendo demorado quatro anos para escrever essa narrativa, a autora em entrevista afirmou que precisou se distanciar do texto, pois o narrador se assemelhava muito ao seu pai, que além disso, tem fascínio pelo Alasca e com quem mantém uma relação distante. Por isso mesmo, podemos ler a obra como muito mais do que uma mera narrativa de viagens, intercalada as passagens da vida do protagonista, suas aventuras e seus múltiplos ofícios. E como toda boa narrativa de viagem pela estrada há a referência direta a Jack Kerouac, sendo esse o nome do marreco de estimação do protagonista e seu único afeto sincero.
A influência de Rubem Fonseca na obra é perceptível no cuidado e na construção de frases e períodos curtos, repleto de palavrões e sexo. Com um estilo narrativo bem direto e simples, também recheado de mortes, crimes e violência. A estrutura do suspense criado durante o texto, permeado com toda a aura das narrativas negras policiais, paira pela obra, em que o narrador aparentemente também procura fugir de algo do seu passado, já que confessa ter matado um homem ainda jovem.
Além dessa mistura de narrativa de viagens com elementos de características do gênero policial, ainda podemos identificar a crítica produzida pela autora sobre a situação da América Latina e dos seus cidadãos, que esquecem seu passado e sua herança cultural. O protagonista enfrenta problemas ao atravessar da Colômbia ao Panamá, vendo-se obrigado a ir para a Venezuela, e por fim desistindo de chegar ao seu tão almejado e sonhado Alasca. Logo, essa busca interior, existencial, vislumbrada como uma grande viagem que cortaria nosso continente é ao final o fio condutor e o cerne da narrativa.
Portanto, Partir ao misturar gêneros narrativos, formas e apropriações da literatura com outras formas de arte e saberes, volta-se para o entendimento e compreensão da própria produção artística e intelectual no século XXI, um produto híbrido, que precisa abarcar em seu bojo diálogos e contato com elementos que fogem do simples fazer literário.
E como bem sentencia o narrador no último parágrafo do livro, ao partirmos sempre voltamos para nosso lugar de origem, mesmo que não fisicamente ao menos em vontade e espírito.